Neste enquadramento, Portugal enquanto país signatário do Acordo de Paris em Dezembro de 2015, suportado pelas conclusões do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), tem procurado aplicar múltiplas políticas para enfrentar estes desafios tentando caminhar para a implantação de uma sociedade mais sustentável. Entre vários objectivos, este acordo procura limitar o fenómeno de aquecimento global para níveis semelhantes aos existentes no século XIX, antes revolução industrial, com os diversos governos politicamente comprometidos em estabelecer contributos para metas quantificáveis por forma a reduzir as suas emissões.
Embora grande parte das vezes o discurso dos políticos portugueses (da esquerda à direita) esteja suportado pela lógica corrente e pleno de boas intenções, apresenta-se totalmente dissociado da realidade nacional e as medidas estratégicas propostas padecem acima de tudo de estudo credível sobre a sua verdadeira capacidade de implementação e estudo claro sobre as formas inequívocas que se reflitam na sociedade.
Tomem-se alguns exemplos das políticas de descarbonização da economia na vida do cidadão normal, das quais falo com experiência: 1) Procura-se o incentivo da utilização da energia solar fotovoltaica doméstica, porém, para uma família que queira instalar painéis para produção de energia eléctrica para auto-consumo não existem incentivos fiscais eficazes que promovam ponderar seriamente esta opção, pois os seus custos, embora consideravelmente mais aceitáveis, são ainda significativos e que para uma família de classe média são incomportáveis. Paralelamente, não existe ainda legislação que promova ou obrigue à de instalação de painéis fotovoltaicos para novas construções. 2) Assiste-se nestes dias à grande e acesa discussão sobre a morte anunciada dos motores de combustão a diesel e da necessidade de passar à mobilidade eléctrica, mas sem uma verdadeira rede nacional funcional de postos de carregamento. Quem como eu já optou por um veículo plugin híbrido, a batalha prende-se com o desafio diário de depois de carregar o telemóvel-com-rodas durante a noite, fazer-se ao trânsito citadino, olhar para o conta-quilómetros e ver a bateria rapidamente esvair-se, para quando se chega ao destino de trabalho não existirem postos de carregamento em número suficiente pela cidade. E destes raros pontos, por norma não estão funcionais. Ainda, a esmagadora maioria dos parques públicos de estacionamento não possuem estes postos nem autorizam a carga quando até há tomadas instaladas. Por exemplo, nos concelhos do Seixal e Barreiro com mais de 200 mil habitantes, não existem um único ponto de carregamento na rede MOBI.E.
Tomemos o exemplo de um prédio suburbano construído nos anos 80-90, com 6 andares e 3 fogos por piso, o que totaliza 18 habitações, instalação eléctrica antiga, sem garagens e potencia instalada limitada. Onde podem os condutores carregar os seus veículos? Apenas na via publica ou em parques especificamente criados para o efeito. Se o prédio tiver estacionamento coberto ou garagens, como assegurar a conversão para nova potência seja feita em segurança e a custos aceitáveis para os condóminos? Multiplique-se este cenário para a realidade nacional, para rapidamente se chegar à conclusão que não existe uma solução pensada para o problema. Não basta promover a compra de veículos eléctricos se não houver capacidade instalada imediata para os carregar. O condutor consciente, não irá certamente optar pela solução do carro eléctrico.
Com a crescente procura deste tipo de veículos, aumenta imediatamente a necessidade de energia eléctrica no período nocturno, que é quando os condutores podem na sua maioria assegurar a deslocação no dia seguinte. Está a rede eléctrica nacional capacitada para este aumento de consumo nos próximos anos? Produz o país suficiente energia “limpa” ou terá que continuar a aumentar a importação de carvão e gás natural? Segundo Os últimos dados de Balanço Energético 2016 da Direcção Geral de Geologia e Energia, apenas 10% da energia primária (toda a forma de energia disponível na natureza antes de ser convertida ou transformada) é eléctrica. O grosso da energia primária é e continuará a ser nas próximas décadas assegurada por combustíveis fósseis, e estes são totalmente importados, traduzindo a total dependência estratégica e orçamental das flutuações de fornecimento e de preço de mercado. Sobre isto adicione-se a crescente rejeição de quaisquer actividades de pesquisa de hidrocarbonetos em território nacional que pudessem eventualmente resultar numa descoberta económica que diminuísse esta dependência e pudesse contribuir para a balança económica. Assim, mais uma vez, a indefinição lusa do paradigma energético se vai perpetuando e sem qualquer visão ou estratégia clara.
A transição energética ao nível dos hábitos e recursos das famílias, para ser eficaz, tem, portanto, de assentar num forte compromisso nacional de redução do consumo de hidrocarbonetos em benefício de outras formas energéticas menos impactantes no ambiente, mas principalmente na possibilidade de com normas, leis e incentivos estatais rapidamente dotar a sociedade de todos os instrumentos que permitam esta transição. Caso contrário o caminho será tortuoso, penoso e ineficaz, e como tal condenado ao fracasso, e acompanhado de elevado custo económico, social e ambiental.
Por Ricardo Pereira