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quarta-feira, 8 de maio de 2019

Energia, recursos, alterações climáticas e a sociedade actual. Como conseguiremos ultrapassar o maior desafio da humanidade? Por Pedro Barreto


A poucos dias de celebramos o dia do geólogo, decidimos partilhar um texto exemplarmente escrito por Pedro Barreto (link para o seu perfil no final do texto). Achamos importante continuar a informar e a esclarecer os demais cidadãos portugueses relativamente aos recursos naturais e ao seu enquadramento na sociedade actual. Curiosos para saber mais sobre esta temática? Continuem a ler. 



Ficam desde já a saber (alguns já o sabem!) que sou geólogo e ao longo da minha carreira fui trabalhando cada vez mais frequentemente com a exploração de hidrocarbonetos, sendo que hoje em dia trabalho directamente para a indústria petrolífera.

Escrevo este parágrafo como uma salvaguarda, um “disclamer”, pois como tal, sou automaticamente considerado suspeito, influenciado e como alguns afirmaram no passado, um vendido que tenta proteger a sua fonte de rendimento. No entanto, e apesar de poder como geólogo trabalhar num vasto leque de sectores e indústrias tão ou mais lucrativas que a indústria petrolífera, sinto o dever ético e moral de ser o primeiro a salientar o que sou e de onde venho quando escrevo este artigo de opinião. Tal não é pratica comum em muitos dos autores de artigos sobre temáticas energéticas e/ou ambientais, o que a meu ver é de alguma forma condenável, pois apesar de terem interesses directos ou indirectos deliberadamente não o manifestam explicitamente aos seus leitores. 

Entendo, apesar de não compreender, que optem neste momento por não continuar a ler este artigo, no entanto acredito no direito do contraditório, na liberdade de expressão e igualmente importante a necessidade de ouvir várias opiniões para poder ter uma opinião bem formada, mesmo que contraria á minha.

Apesar da minha presente actividade profissional, ficam também a saber que já antes de trabalhar para a indústria petrolífera, era geólogo formado na Universidade de Lisboa, altura em que nada tinha nem queria ter a ver com a exploração de recursos naturais. Estava mais interessado na investigação científica aplicada ao estudo do Planeta Terra, em particular na tectónica de placas e no processo de criação de cadeias montanhosas. Aliás a ideia que tinha formado durante a minha licenciatura é que, para além da defesa dos princípios da sustentabilidade e da utilização racional de recursos, que ainda hoje defendo, achava diabólica e instrumentalizadora a indústria extractiva, principalmente a de recursos fósseis. Apesar disso já na altura percebia que na sociedade em que hoje vivemos, é cada vez mais difícil e até mesmo inviável aplicar as teorias e ideologias ambientalistas radicais na prática. A civilização e principalmente a sociedade tal como a conhecemos actualmente, não são bem e nunca foram compatíveis com radicalismos. Seja por razões de carácter pessoal ou social, a realidade é que para mim o ambiente e a sustentabilidade, sempre foram factores a serem tomados em conta na altura de tomar decisões do dia-a-dia ou não fosse eu um apaixonado pelo planeta, pela natureza e pelas actividades ao ar livre.
©Pedro Barreto 2018

Como geólogo tenho plena consciência que a Terra já foi mais fria, mas também mais quente. De facto, já foi mais fria e quente umas largas centenas, senão mesmo milhares de vezes ainda antes do Australopithecus Afarensis (primeiro hominídeo bípede, antepassado do homem) ter aparecido na Terra há 2.8 milhões de anos atrás (a Terra tem cerca de 4500 milhões de anos!). A Terra já cá estava e continuará a estar depois de cá andarmos. Os ciclos da natureza acontecem, podem ser acelerados ou atenuados, mas não podem ser evitados. Quer queiramos quer não, o homem não é o centro do mundo.

Com isto não quero dizer que não nos devemos preocupar com o planeta, com a sua estabilidade dinâmica e os seus recursos. Com isto também não quero dizer que não temos impacto na Terra, porque é óbvio que temos, e muito mais do que a maioria de nós julga. Mas será este significativo para a sobrevivência do planeta? Não, acredito que não é significativo para a sobrevivência do planeta. Mas atenção, reparem que disse do planeta. Digo isto, porque acredito também que é extremamente significativo, muito mesmo, para a existência, sobrevivência e evolução da espécie humana e mais ainda para o que chamamos civilização e sociedade.

Sem sombra de dúvida, que se não acautelarmos o uso racional dos recursos naturais, sejam eles quais forem, estaremos a acelerar o processo natural de extinção de espécies, principalmente da nossa.

No entanto, a meu ver a questão que devíamos colocar, não é se estamos a provocar ou a acelerar as alterações climáticas. Considero isso até certo ponto irrelevante. Quer queiramos ou não, quer influenciemos ou não, a realidade é que a atmosfera terrestre vai aquecer e depois vai voltar a arrefecer e assim sucessivamente, até eventualmente o motor do nosso sistema, o sol, explodir, algo que os cientistas calculam que ainda demorará uns outros 4 600 milhões de anos.

Sempre existiram ciclos de glaciação e interglaciação na Terra, e muito antes do homem existir. Num destes ciclos, há cerca de 400 milhões de anos (Periodo Devónico), a Terra ficou totalmente coberta por gelo, naquilo a que os geólogos apelidaram de Snowball Earth. No Pérmico (250 milhões de anos, de abreviação Ma), período imediatamente anterior á Era (Mesozóica) dos dinossauros, onde cerca de 90% das espécies desapareceram da Terra, esta era em média 6ºC mais quente que a temperatura média actual. Houve também um período da Terra, bem mais recente á cerca 50 Ma, em que a temperatura era 5 a 8 ºC superior á actual e em que a concentração de CO2 na atmosfera era 3 vezes a actual. Este período é conhecido tanto por geólogos como pelos verdadeiros especialistas climáticos (climatologistas) como o período em que a terra teve a maior concentração de CO2 na atmosfera. Este foi apelidado Paleocene–Eocene Thermal Maximum (PETM).

Uma das questões que devemos colocar é como nos iremos adaptar às alterações climáticas, de aquecimento e de arrefecimento, que de origem antropogénica (resultante da actividade humana) ou não, irão como aconteceu no passado, afectar o clima terreste e por consequência a vida na Terra.

Para esta pergunta deixo uma outra para ser respondida mais tarde. Como iremos enfrentar este desafio se não tivermos disponíveis recursos energéticos viáveis, de múltiplas origens e independentes do clima? Isto porque em caso de seca não podemos contar exclusivamente com a energia hídrica. Em caso de frio não podemos contar apenas com a energia solar. E o vento só produz energia eólica ¼ a 1/3 do ano. Se não tivermos outros recursos energéticos, como iremos ultrapassar estes desafios na sociedade moderna em que vivemos? O Homo Sapiens e o Homo Neanderthal só sobreviveram aos períodos glaciares usando o fogo, a sua fonte energética. Porém viviam em pequenas tribos ou comunidades. Como nos iremos arrefecer nos próximos períodos interglaciares mais extremos sem fontes estáveis de energia? Como iremos erguer e construir barreiras sem fontes de energia de alta potência?

A outra questão que volto aqui a reafirmar e que tenho vindo a salientar de várias formas e feitios há mais de uma década, é efectivamente a mais difícil de abordar no mundo em que vivemos. Como conseguiremos utilizar os recursos naturais de uma forma sustentável e duradora? Vivemos um problema de sustentabilidade que vai muito além da componente ambiental, sendo tb económico, político e moral. O aquecimento global, termo antigo em voga nas passadas três décadas, mas que hoje em dia, passou a ser estrategicamente chamado de alterações climáticas, é antes demais um problema de sustentabilidade de recursos e da conduta humana nas sociedades desenvolvidas.

Podemos e devemos aspirar a utilizar energias e materiais que sejam mais limpos e principalmente renováveis, sem ignorarmos que quaisquer que estes sejam, terão sempre uma componente não renovável, pelo menos à escala temporal humana.

Na sociedade do consumismo exacerbado em que vivemos, em particular nas designadas economias desenvolvidas, a política que nos é incutida do compra e deita fora, do possuir mais do que é essencial, do comprar o que vem de longe quando há igual mais perto, é na minha opinião o principal desafio que a humanidade vai ter de ultrapassar se quiser continuar a aspirar por um mundo melhor, mais justo e com futuro digno para a civilização.

Promover a ideia que vivemos actualmente com o consumo de electricidade verde como tem vindo a ser amplamente notificado na imprensa nacional e europeia, quando na realidade queimamos mais carvão do que nunca, ou que devíamos todos trocar para carros eléctricos quando na realidade devíamos era ter uma rede eficiente de transportes públicos, baseado num mix energético equilibrado, isto é usar o oportunismo politico para alcançar mandatos que no final nos deixarão com os mesmos problemas.

Imaginemos por exemplo que 100% da população europeia (actualmente cerca de 750 milhões que utilizam perto de 250 milhões de veículos) muda nos próximos 10 anos para carros movidos a baterias de lítio. O que acontecia á exploração deste mineral a nível mundial? Qual o seu impacto ambiental? Quais as suas reservas e quanto tempo durariam estas? E se fosse o mundo inteiro a adoptar a utilização do mesmo recurso? Seja o lítio para as baterias das renováveis, seja o petróleo, seja a sílica pura para os painéis solares, seja o gás, seja a nuclear, seja ele qualquer recurso energético e/ou mineral.

Um excelente exemplo é a água. Todos queremos preservar a água e os diferentes recursos hídricos, mas ao simultaneamente todos gostaríamos de ter piscinas e relvados verdejantes durante todo o ano. O mesmo ou pior se pode dizer com a rega de campos de golfe ou a agricultura intensiva em regiões com limitados recursos hídricos, como é exemplo o caso da região sul do país.

Aparentemente, o petróleo é hoje em dia o recurso que ninguém quer, mas sem o qual já não sabemos viver, sem ele nem sem os seus derivados. Em Portugal importamos 135 milhões de barris de petróleo bruto todos os anos (o equivalente a um campo de petróleo “jeitoso” para qualquer pequena empresa de petróleo) e consumimos em Portugal, de diferentes formas, 65 milhões de barris. O restante, praticamente metade do importado, é exportado já refinado para o estrangeiro, muitas vezes para os próprios países de onde compramos (dados do DGEG de 2016). Isto sem contar com todo o gás, todo o carvão, toda a biomassa (considerada energia renovável e limpo) que queimamos para produzir a nossa energia. Isto sem contar também que em Portugal, que não explora gás nem petróleo, os impostos sobre combustíveis representam 4% do PIB. 

Da energia primária (total) que consumimos, quero com isto dizer que o total da energia que Portugal consome, cerca de 70% são energia derivadas de recursos fósseis, utilizada de forma directa em diferentes indústrias tais como siderúrgica, transportes, etc. Os outros 30% são energia eléctrica. Desta, cerca de 50% corresponde a um mix de carvão (a maior parte), gás e petróleo. Aproximadamente os restantes 50% é renovável (ou seja 15% a 20% da energia primária consumida). Estima-se que metade desta é biomassa e biofuel, ou seja renovável mas também produtora de CO2. Portanto, 7.5 a 10% da energia primária em Portugal é efectivamente “limpa” sendo que a principal é hídrica, seguida da eólica e por último da solar. Estas não emissoras CO2, pelo menos de forma directa.

O Portugal verde das renováveis (segundo alguns dizem, pois na realidade correspondem a 15-20% do consumo primário de energia, ou seja perto de 50% da electricidade consumida) e da electricidade mais cara da Europa, é na realidade um país que está entre os nove onde mais cresceu o consumo do carvão (o mais poluente dos combustíveis fósseis) e o país onde mais cresceu o consumo de gás natural (o menos poluente dos combustíveis fósseis). Escusado será dizer que apesar de todo o ambientalismo mediático, o consumo de energia e recursos continua desenfreado, tanto em Portugal como pelo mundo fora. Mas estes pormenores parecem não interessar.

Não queremos a utilização de energias fósseis, mas não sabemos sustentar energicamente a indústria siderurgia, mineira, de aviação, de transporte marítimo de mercadorias, de instalação de centrais de energias renováveis sem a utilização de derivados de hidrocarbonetos. São estas as energias que alimentam o grosso dos sectores produtivos do país, incluindo e sem excepção o turismo, quer se queira ou goste quer não.

Não queremos, e bem, baleias com barrigas cheias de plástico nem tartarugas atrofiadas com invólucros plásticos mas comprarmos tudo super embalado. A tal ponto que foi necessário criar leis para o controlo da utilização de sacos de plástico. Apesar disto estas afinal não passaram de mecanismos para colectar mais impostos e piorar ainda mais a situação, ao substituir por sacos mais grossos e ainda menos degradáveis, mantendo inalterável o uso da quase totalidade de outros produtos plásticos.

Muito menos queremos a utilização de derivados nucleares, mas sempre que temos défice de produção de energia eléctrica compramos energia eléctrica nuclear a Espanha e França. Até quando temos graves problemas de saúde, já deixa de ser problemático recorrermos a exames médicos que usam a radioactividade e que hoje em dia chamamos de convencionais, sendo até considerado parte de um direito básico de saúde.

Aliás grande parte da luta dos movimentos contra as “alterações climáticas” não seria possível, ou pelo menos tão bem articulada, sem a utilização destes recursos e seus derivados. Imagine-se a Greenpeace sem os seus barcos movidos a nafta e/ ou diesel, ou a penduraram-se em infraestruturas poluentes sem o uso de cordas e equipamento técnico com origem em derivados de petróleo. Ou como presenciei uma vez num debate televisivo, movimentos ambientalistas que deslocaram centenas de pessoas através do uso de autocarros com mais de 30 anos de idade, garantidamente interditos por lei, de circularem dentro dos principais centros urbanos do país, os quais deixavam para trás uma nuvem de fumo visível a centenas de metros de distância. O próprio conceito de luta contra as alterações climáticas é em si um conceito um tanto ou quanto contraditório, pois pelas evidencias pré-históricas salientadas anteriormente neste artigo, seria o mesmo que dizer que são movimentos contra o ciclo natural da terra. Estes grupos deveriam repensar os termos por si usados para não demonstrarem a sua própria ignorância ou, não seja esse o caso, chamarem as coisas pelos nomes “alterações climáticas antropogénicas”.

Suponhamos por um instante que a terra é um sistema estático onde não existem alterações climáticas globais ao longo do tempo, sejam elas antropogénicas ou naturais, onde a temperatura é uma função constante ao longo do tempo. Acham que seria possível continuar a viver com o actual consumo de recursos naturais e energéticos durante os próximos 4 600 milhões de anos? Ou mesmo nos próximos 2.8 milhões de anos (período de tempo que hominídeos passaram na terra até ao momento)? Com o nosso estilo de vida actual, tal como é ambicionado e promovido pela sociedade desenvolvida actual? 

Este é a meu ver o real desafio que temos, devemos e iremos enfrentar. A utilização adequada, sustentável e racional dos nossos recursos, sejam eles materiais, sejam eles energéticos. Sejam eles renováveis ou fosseis, emissores de CO2 ou não (sim, porque há recursos energéticos renováveis que emitem CO2), limitados ou ilimitados, sejam eles mais ou menos poluentes. Todos eles são fundamentais para a qualidade de vida. Agora as proporções em que os usamos é que é um problema a abordar. O importante é que seja feito de modo equilibrado, sem excessos, proporcionalmente à sua abundância, longevidade e capacidade de regeneração, para que os possamos utilizar adequadamente nos desafios climáticos que inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde vamos ter de enfrentar.

Daí a crer que o fundamental é sermos razoáveis na utilização de recursos e para tal é necessário mudar a mentalidade actual dos radicalismos exacerbados, sejam eles da sociedade de consumo, sejam eles da sociedade dos utópicos ambientalistas medievais. Vamos re-aprender a ser moderados, a reutilizar, a cuidar do que é nosso, a cuidar de nós e assim esperarmos que ao menos consigamos cá estar mais 4 600 milhões de anos! 

P.S.: Suponho que se o seguinte texto fosse apresentado por uma qualquer super vedeta de Hollywood, teria um impacto radicalmente maior do que aquele que vai ter. (In)felizmente não sou o Leonardo di Caprio! O mensageiro é, quer se queira quer não, tão ou mais importante que a mensagem!

Pedro Barreto

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